segunda-feira, 14 de abril de 2008

Espaço tipográfico 2

Um dos princípios da tipografia é a legibilidade, que foi muito reforçada ao longo do modernismo. O texto deveria se comportar como um meio invisível - um intermediário neutro - da mensagem. Para tanto, ele precisa ser tão legível ao ponto do reconhecimento de letras e palavras acontecer num nível subconsciente, para que o conteúdo alí codificado ocupe o primeiro plano de compreensão.

Porém, existe uma oscilação da percepção do "leitor"entre a notação simbólica e a superfície tipográfica do texto: quando a legibilidade diminui, a percepção da forma se acentua e vice-versa. A partir do questionamento dos paradigmas modernistas, essa oscilação pende para uma percepção do texto (tipo) enquanto imagem, forma, sensação... Nós olhamos para ele e não mais através dele.

Podemos perceber isto nas experimentações com a tipografia (tri)dimensional. Transformados em objetos físicos, os tipos extrapolam sua natureza bidimensional enquanto veículo de uma mensagem e passam a suscitar outras relações com o "leitor".

Um exemplo disto é o trabalho de Damián Ortega "Spirit and Matter" na Bienal de São Paulo "Como viver junto", em 2006. Instalado do lado de fora do pavilhão do Ibirapuera, o trabalho composto por seis estruturas construídas a partir de material de demolição reaproveitado ilustra bem tal oscilação.


Ao nos aproximarmos do pavilhão vimos construções que nos lembraram barracos improvisados, como os de uma favela. Não percebemos uma organização ou lógica na construção, estacionando nossa percepção nesta primeira impressão. Uma vez dentro do pavilhão percebemos que os barracos eram, na verdade, letras compondo uma palavra: SPIRIT. A construção poderia ser visitada: havia uma abertura de entrada e outras tantas ao longo da mesma. Ela poderia ser percorrida por uma trajetória determinada tanto pelo desenho da palavra quanto pela disposição das aberturas para passagem entre as letras.


Lá dentro, a sensação de percorrer um labirinto predominava; onde não percebíamos o espaço circundante porque confinado, tornava-se evidente um caminho, um corredor. Ao longo das curvas abruptas e das súbitas passagens podíamos ver a precariedade do material escolhido para a construção: velhos tapumes e portas, placas de metal enferrujadas, restos de outdoors.

Não me lembro de relacionar esta trajetória ao desenho da palavra que vimos anteriormente. As duas percepções experimentadas, o sentido do texto lido e a sensação de percorrer o labirinto, se configuravam como coisas distintas. O que percebemos ao caminhar por dentro da palavra foi a matéria, forma e sensação; um "olhar para". Já a vista do pavilhão permitia a leitura (espírito, sentido, mensagem), um "olhar através", para além da sua materialidade.

Não quero dizer aqui que esse foi o propósito do artista ao expor essa contradição entre espírito e matéria, mas destacar um ponto de partida para pensarmos a relação do "leitor" com a tipografia assim como as questões oriundas da transposição de uma manifestação bidimensional para o espaço, o tridimensional.

As fotos aqui apresentadas foram gentilmente cedidas por Leticia Lessa (obrigada!!!, porque nossa câmera pifou no início da visita O_o).

Abaixo, alguns links relacionados:
http://www.whitecube.com/exhibitions/spiritandmatter/
http://www.youtube.com/watch?v=feByWZN9B2Y

Um comentário:

D. disse...

Ótima reportagem, pessoal. Deu vontade de ver de perto.